Tragédia em Realengo
O mal secreto
O mal secreto
A loucura de Wellington deve nos fazer pensar em nossa própria violência, que, embora mais sutil, pode ser semelhante à dele . O que se passa na mente de um desequilibrado como Wellington Menezes de Oliveira, que ganhou seus 15 minutos de fama assassinando crianças na escola em que estudou? Não se pode saber com certeza, porque nessa esfera de questões não existe prova irrefutável.
Contudo, baseando-nos em fatos conhecidos e em declarações do sujeito, é possível chegar a algumas hipóteses pelo menos plausíveis.
No caso que consterna o País, as informações disponíveis até o momento permitem supor que o rapaz carregava no íntimo uma imensa angústia, com a qual procurou lidar criando um sistema delirante que funcionou por algum tempo, mas acabou por se esboroar sob a pressão de fantasias extremamente ameaçadoras, das quais dão alguma ideia a carta que deixou.
Ela está redigida em longas frases, pontuadas só por vírgulas. As ideias se sucedem como em jorros, e é visível um desespero crescente, manifestado na extensão igualmente crescente dos parágrafos.
Não se trata, é óbvio, de erro de redação: o pensamento tentou se focar, porém a angústia era tão avassaladora que acabou se sobrepondo ao esforço intelectual para a dominar. A repetição dos temas, e um certo grau de incoerência na escrita, dão testemunho desse fracasso.
Do que Wellington tinha tanto pavor? Nada deixa pensar que fosse de extraterrestres, do Juízo Final ou de outras coisas frequentes em delírios paranoicos.
A abertura falando das "mãos impuras dos adúlteros", o pedido para ser lavado (das suas próprias impurezas?) e envolvido num lençol branco, as referências à castidade, sugerem que era a sexualidade que ele temia, e em primeiro lugar, como assinalou Barbara Gancia na Folha de S. Paulo, da sua própria.
Sexualidade que, a julgar pela menção enfática à sua virgindade, não chegou a ser exercida com outrem.
A solicitação para ser enterrado ao lado da mãe nos dá uma pista sobre qual poderia ser o objeto dela. Tudo indica a existência de poderosas fantasias incestuosas, das quais talvez o rapaz tivesse algum vislumbre consciente.
Que não se trata de piedade nem de amor filial comum, como poderia ser o caso em outras circunstâncias, pode ser deduzido da convocação ao "fiel seguidor de Deus", no masculino, cuja prece ao lado das duas sepulturas (pois uma ficaria junto à outra) teria o condão de o fazer ser perdoado "pelo que fez".
A meu ver, isso não alude ao crime que pretendia praticar, mas aos desejos incestuosos, e o "seguidor de Deus" seria o pai de Wellington - ou, como este já falecera, um representante dele.
Renato Mezan, O Estado de S.Paulo
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